26.3.09

Ainda estou meio triste em função dos fatos recentes, mas a vida segue e o tempo se encarrega de colocar tudo no lugar.
Hoje alguém me disse que o tempo é uma espécie de borracha que apaga tudo. Não acho que apague tudo. O que é importante fica, especialmente o que é bom.
Acho mesmo que o tempo é o maior indicador da importância que cada coisa ou pessoa tem nas nossas vidas. Às vezes nos lembramos de algo que aconteceu na nossa infância mais remota ou de pessoas que conhecemos e não vemos há muito tempo, mas que ficaram ali registradas para sempre (isso tem a ver com o que eu comentava sobre eternidade e amor).
Tive um amigo, ou melhor, conheci uma pessoa e pensei que fosse um amigo. Dediquei a ele uma amizade fraternal, de verdade. Digamos que fomos muito ligados, mas o sentimento que ele tinha por mim foi pontual e passou.
Um dia, sem quê nem por quê, ele encerrou um longo período de silêncio, tratando-me como uma estranha, porque isso resolvia um problema que ele próprio havia criado. A história é longa e não é o caso de contá-la.
Então, naquele exato instante eu senti que alguma coisa se partiu. Ele estava abaixado, arrumando uma mala. Ao me ver continuou na mesma posição, olhou para cima e disse “boa noite”. Respondi. Algum tempo antes eu ansiava pelo momento de encontrá-lo, para entender a razão da sua ausência. Queria que ele me explicasse, me contasse, me dissesse por que tinha se afastado, se estava com algum problema ou triste.
Depois desse momento não sobrou em mim a mais longínqua vontade de perguntar, ouvir, falar. Foi como se uma porta se fechasse e eu entendesse que não havia razão para tentar abri-la.
Não me lembro se pensei alguma coisa naquele momento. A única recordação que tenho, é que senti como se algo se quebrasse.
Sabe aquele coisa que a gente aprende sobre Adão e Eva no Paraíso, quando de repente começam a se envergonhar dos próprios corpos? Pois é, foi alguma coisa assim. De repente eu não me sentia à vontade na presença daquele estranho.
Estávamos na companhia de outros amigos e, como ele estava se despedindo, fomos todos jantar em um restaurante indiano. Fui por ir, assim como quem não quer criar clima e, de qualquer forma, estava com vontade de experimentar a comida.
Durante o jantar ele contou algumas piadas e, segundo me contaram, olhava para ver a minha reação. Eu esboçava um sorriso, para não ser desagradável aos outros, mas na maioria das vezes era um gesto automático, porque sequer prestava atenção ao que ele dizia.
Depois desse dia nunca mais pensei nele. Já falei sobre ele, porque tínhamos amigos e comum e as pessoas perguntavam. Mas nunca mais pensei nele ou senti a sua falta. Nunca me lembro de alguma coisa ou circunstância que esteja relacionada a ele. O que mais me espanta é que isto não acontece em função de algum esforço meu. Simplesmente é como se aquele período fosse ficando nebuloso, até desaparecer.
Quando penso a respeito disso ainda tenho uma sensação estranha. Eu gostava tanto dele, o considerava um irmão mais velho. Ele foi o único homem que conheci (que não era gay) que tinha curiosidade genuína pelo universo feminino. Era meio poeta, quando nos conhecemos. Virávamos noites conversando. Trocávamos experiências, falávamos de tudo e eu me sentia super à vontade com ele. Acho que naquela época não havia nenhuma amiga (mulher) com quem eu gostasse tanto de conversar e tivesse tanto assunto. Dormimos várias vezes na mesma cama, mas era como se eu estivesse dormindo com o meu irmão e tenho certeza de que ele também nunca teve qualquer pensamento sexual a meu respeito.
Parecíamos almas gêmeas, porque nos entendíamos até pelo olhar, mas nunca houve qualquer clima “homem-mulher”.
Outro dia, achei uma caixa com várias cartas que ele me escreveu. Minha sensação foi a de ler a carta de alguém que morreu. Nem me lembrava que as tinha e só não as joguei fora, porque algumas são respostas a cartas que eu mesma escrevi e, por isso, há coisas ali que dizem respeito a mim mesma. Como se fosse o espelho em que eu me olhava naquele momento.
Acho que ele morreu no exato instante em que senti “aquela coisa” se partindo. Não senti raiva. Não senti vontade de falar. Não pensei em nada.
Já o vi duas vezes depois disso. Nas duas vezes a minha idéia de estar vendo um defunto foi reforçada pela aparência dele. Pálido, curvado, com uma expressão de velho. Nem um traço daquele cara alegre, engraçado, alto astral.
Acho que ele pagou caro pelas escolhas que fez. Digo isso não só pela impressão que tive ao vê-lo, mas por relatos de pessoas muito próximas a ele, que gostam de me transmitir notícias que não desejo saber.
Nunca pensei que poderia apagar da minha vida e das minhas lembranças uma pessoa que teve aquele nível de importância para mim. Mas não fiz nenhum esforço.
Como diz a minha mãe, o coração dos outros é terra que ninguém conhece. Às vezes isso vale até para o meu próprio.

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