12.3.09

Entre injustiça e absurdos

Já se falou muito sobre o caso da menina de 9 anos, estuprada desde os 6 pelo padrasto, supostamente sem o conhecimento da mãe.
Honestamente acho que uma criança abusada por 3 anos tem que dar algum sinal e se a mãe não sabia do abuso, teria que ter notado alguma coisa no comportamento da criança, mas para isso seria preciso estar atenta.
O padrasto não se contentou em abusar de uma criança de 6 anos e fez o mesmo com a irmã, deficiente (não sei se física ou mental). Enfim, o típico caso de mundo cão.
Mas o que eu gostaria de deixar registrado aqui é a minha indignação com esse bispo de Olinda e Recife e com todos os que aprovaram a decisão dele de excomungar os pais da menina, os médicos e equipe médica, assim como as pessoas ligadas à OGN que lutou para que o aborto – totalmente legal - fosse realizado.
Para não me alongar muito, digo apenas que a Igreja é feita, dirigida e administrada por homens. Esses homens que se mantém “conservadores” (para usar um termo suave), mesmo em casos extremos como este, acham que o estupro de uma criança é muito menos grave que o aborto, ainda que uma menina de 9 anos pudesse ter o útero rompido, em função do seu corpinho de criança não suportar e uma gestação, especialmente de gêmeos.
Nada disso serviu para abrandar a fúria que culminou na excomunhão, aprovada, obviamente, pelo Vaticano.
De uma igreja assim eu não me importaria de ser excomungada, até porque acredito em Deus. A igreja católica, especialmente na era Bento XVI vem fazendo retrocessos. Felizmente existe uma ala progressista, que nos dá alguma esperança de que os católicos não se mudem todos para a igreja aberta na primeira esquina (algumas parecem farmácias), que está mais disposta a acolhê-los (claro que não será de graça).
Por que não se excomungou os que mataram na Inquisição, os que apoiaram, se calaram ou mesmo negam até hoje o genocídio cometido contra os judeus (e não só)? Por que não se excomunga os padres pedófilos? Por que um miserável desgraçado como esse padrasto merece o perdão e os outros são excomungados? Mas se o Vaticano disse que a máquina de lavar pode ter feito mais pela liberação da mulher do que a pílula ou o direito de trabalhar, o que se pode esperar?
Soube de católicos que se colocaram publicamente contra a decisão do bispo. Se disseram decepcionados.
Eu me espantei, mas não me decepcionei. A gente só se decepciona quando espera o que não pode ter.
Antes que alguém me escreva dizendo que sou uma assassina potencial por ser favorável ao aborto, gostaria de dizer que não sou e não acho que ninguém em sã consciência seja favorável ao aborto. No entanto prefiro não ser hipócrita e fingir que acredito que a ilegalidade impede o aborto no Brasil.
Todo mundo sabe que muitas e muitas mulheres abortam no Brasil, como sempre abortaram. A diferença é que as que podem pagar, vão à clínicas que só são clandestinas no nome. As que não podem morrem com infecções, se mutilam e sofrem as seqüelas físicas e psicológicas sozinhas.
Felizmente nunca me vi diante de uma gravidez indesejada. Também não acho que o aborto seja um método anticoncepcional. Penso apenas que vivemos em um país laico, sabemos que a ilegalidade não impede os abortos e já passou da hora de se discutir essa questão sem as baixarias que costumam rolar toda vez que se fala em legalização do aborto.
Legalizar com regras muito claras não significa obrigar uma mulher a fazer um aborto. Legalizar não significa aprovar, estimular ou promover o aborto. Trata-se apenas de não empurrar a sujeira para debaixo do tapete, só porque as grandes vítimas são as mulheres pobres.
Tomara que essa menina de Recife possa ser tratada psicologicamente, para que o estrago seja minimizado (eliminado a gente sabe que nunca será). E que Deus esteja com ela, mesmo que a Igreja a tenha abandonado.



Obs: Para ilustrar, posto aqui uma mensagem recebida por e-mail. Ocordel fala de tudo isso com mais poesia e humor.
A Excomunhão da Vítima
Miguezim de Princesa (**)

I
Peço à musa do improviso
Que me dê inspiração,
Ciência e sabedoria,
Inteligência e razão,
Peço que Deus que me proteja
Para falar de uma igreja
Que comete aberração.

II
Pelas fogueiras que arderam
No tempo da Inquisição,
Pelas mulheres queimadas
Sem apelo ou compaixão,
Pensava que o Vaticano
Tinha mudado de plano,
Abolido a excomunhão.

III
Mas o bispo Dom José,
Um homem conservador,
Tratou com impiedade
A vítima de um estuprador,
Massacrada e abusada,
Sofrida e violentada,
Sem futuro e sem amor.

IV
Depois que houve o estupro,
A menina engravidou.
Ela só tem nove anos,
A Justiça autorizou
Que a criança abortasse
Antes que a vida brotasse
Um fruto do desamor.

V
O aborto, já previsto
Na nossa legislação,
Teve o apoio declarado
Do ministro Temporão,
Que é médico bom e zeloso,
E mostrou ser corajoso
Ao enfrentar a questão.

VI
Além de excomungar
O ministro Temporão,
Dom José excomungou
Da menina, sem razão,
A mãe, a vó e a tia
E se brincar puniria
Até a quarta geração.

VII
É esquisito que a igreja,
Que tanto prega o perdão,
Resolva excomungar médicos
Que cumpriram sua missão
E num beco sem saída
Livraram uma pobre vida
Do fel da desilusão.

VIII
Mas o mundo está virado
E cheio de desatinos:
Missa virou presepada,
Tem dança até do pepino,
Padre que usa bermuda,
Deixando mulher buchuda
E bolindo com os meninos.

IX
Milhões morrendo de Aids:
É grande a devastação,
Mas a igreja acha bom
Furunfar sem proteção
E o padre prega na missa
Que camisinha na lingüiça
É uma coisa do Cão.

X
E esta quem me contou
Foi Lima do Camarão:
Dom José excomungou
A equipe de plantão,
A família da menina
E o ministro Temporão,
Mas para o estuprador,
Que por certo perdoou,
O arcebispo reservou
A vaga de sacristão.
(*) Poeta popular, Miguezim de Princesa, é paraibano radicado em Brasília.



P.S. Recebi alguns e-mails comentando o posto do Dia Internacional das Mulheres. A maioria concordando em maior ou menos grau com o que eu disse. Um deles, no entanto, dizia que fui muito radical e citou uma série de exemplos que, segundo ele, comprovavam o meu radicalismo.
Não vou explicar ou justificar o que escrevi, afinal, criei o meu blog para escrever o que eu quiser. Digo apenas que cada pessoa, baseada em uma série de fatores, chega à sua própria (e mutável) conclusão e emite uma opinião. Os outros podem concordar e/ou discordar.
O ideal é que as pessoas discutam, debatam, exponham seus pontos de vista, mudem ou não de opinião, enfim, exerçam o sacrossanto direito de pensar e expressar o seu pensamento.
Gratíssima pela compreensão galera.

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