14.3.09

Psicopatas


A semana que passou foi ótima, com pequenas delicadezas, um pouquinho de correria, lua cheia, boas e frutíferas conversas, um pequeno susto, muita ralação e o sol que tanto amo. Mas quero deixar aqui registrado um fato, porque às vezes eu me esqueço a razão de ter o pé atrás com alguém.
Este fato específico não quero esquecer e aproveito para divagar em torno do tema, pois o assunto sempre me chamou a atenção.

Resumindo: uma pessoa que não chega a ser muito próxima, mas que conheço há muito tempo me expôs uma situação problemática há uns meses atrás e a ajudei a resolvê-la.
Muito bem. Não tive que fazer imensos esforços, mas acabei ocupando outra pessoa, perdendo o meu tempo a descobrir endereços, enfim, tive que me mexer e o fiz com boa vontade.
Na semana passada essa pessoa contou para uma outra, na minha frente, como ela tinha resolvido aquela questão, que ela falou com fulano, que ela procurou tal pessoa, enfim, que ela conseguiu resolver o problema. Assim, como se eu não tivesse feito nada, que não tivesse eu sido a ponte a ligar os vários pontos desconexos e como se eu não estivesse ali escutando aquilo.
A única citação que fez à minha humilde e inútil pessoa (aparantemente ela me vê útil ou inútil dependendo do momento), foi a de que ela havia me contado o seu problema.

Juro que fiquei ouvindo sem acreditar. Esperei até o fim para ver se ela ao menos mencionava o meu nome, mas a heroína do filme era ela. Ela precisava impressionar o ouvinte (não acredito que tenha rolado um interesse por ele, até porque teria sido totalmente inútil, mas não descarto) e por isso ELA precisasse usar todos os verbos na primeira pessoa. Enfin, bref.
Fiquei alguns segundos imersa em uma espécie de branco, quase acreditando que a coisa toda tivesse se desenrolado como ela contou.

Quem lê esse comentário (e pensa como a pessoa que me escreveu dizendo que eu estava defendendo a morte, ao falar da legalização do aborto) pode pensar que eu queria os louros da glória e me indignei ao não ser mencionada como a "solucionadora" do caso.
Não é nada disso. Fi-lo porque qui-lo e pronto.
O buraco é um poquinho mais embaixo e à esta questão junto uma outra semelhante.

Já observaram que nas entrevistas, ao serem perguntadas pelos seus defeitos, as pessoas respondem, quase invariavelmente, que são muito perfeccionistas?
Esse é o defeito máximo que as pessoas costumam confessar.
Ok. Realmente isso é um graaaaaande defeito. Mas será que alguém sente inveja, ódio, raiva, vontade de matar (de preferência parando na vontade, porque a civilização já avançou um pouco, né?)? Será que esse povo mente, é injusto, sacaneia um amigo, atropela a ética, chuta cachorro morto? Ou só eu tenho outros defeitos além do perfeccionismo?

Mundo estranho esse. Todos são tão bons. Provavelmente são os marcianos que descem à Terra para fazer toda a sorte de atrocidades.

Fiquei chocada, quando ouvi aquele relato. Não exatamente por não ter sido citada, pois eu sei como as coisas realmente aconteceram, e nem mesmo por ter ajudado. O que me deixou muito espantada foi a cara de pau, a desfaçatez, a "semloçãozice" total da pessoa. E olha que a coisa ainda não está totalmente resolvida. Imagina se estivesse.

Fiquei pensando na quantidade de psicopatas que nos cercam. Andei lendo o livro da Ana Beatriz, que fala sobre isso e fiquei bege ao descobrir certos mecanismos, pois a gente tende a pensar que essas pessoas são somente os serial killers distantes da nossa realidade.
Segundo a autora, esses são os casos graves, mas no dia a dia encontramos os psicopatas de grau leve e moderado, que embora não matem, nos podem causar muitos danos materiais e/ou emocionais. Os psicóticos podem até nos parecer mais perigosos, mas eles raramente ferem os outros. Suas maiores vítimas são eles mesmos.
Já o psicopata tem perfeita noção do que está fazendo. É mau feito pica pau. Não se importa com o mal que causa ao outro, desde que atinja os seus objetivos.
A Ana Beatriz está dando o suporte técnico para a Gloria Perez desenvolver esse assunto.


Lembrei de uma pessoa que é totalmente psicopata (eu não sabia que se chamava assim tecnicamente). Ela mente sem o mais leve e básico receio. Das mentiras mais convincentes à outras totalmente delirantes, tipo: ganhou presentes do presidente Kenedy, é da família de Pelé, tem título de nobreza, casa na riviera francesa e tal. A mentira é parte integrante da vida dela. Há sempre algo a esconder, a omitir. Há sempre uma segunda intenção velada. Nada é claro. Acho que o máximo que ela pode dizer é uma meia verdade, cujo objetivo é desviar a atenção da mentira que vem a seguir ou foi contada antes. Inventa coisas. Acredita que jamais será descoberta e, se for, desmente. Afirma com a maior tranquilidade que a mentira é verdade.
Essa pessoa existe e eu a conheço há muitos anos. Já ri muito por conta dos delírios dela e sempre fingi acreditar no que ela dizia, pois maluco a gente não contraria.

Para mim ela é um caso especial de psicopata hard-light. Mas isso não chega a ser uma vantagem, pois a conheço desde criança. Mas pessoas ingênuas (e existem...eu também conheço) podem acreditar naquelas mentiras, ainda que sejam absurdas e facilmente verificáveis.
Ela, confirmando a descrição de psicopata, sabe calcular o que dizer a cada pessoa.
É hard porque não tem limites na quantidade de mentiras e mesmo na maldade (e sem uma gota de sentimento de culpa). Mas é light na qualidade das mentiras.
Também conheçi algumas de suas vítimas. Por incrível que possa parecer, há pessoas que levam anos para perceber quem ela é. Depois de ler o livro fiquei pensando que ela é mais perigosa e menos divertida do que eu imaginava.
Voltando à maluca anterior, claro que não vou passar por cima disso (eu, a exemplo do meu amado Fernando Pessoa, me confesso humana)e se essa ela me pedir um copo d´água, vai morrer de sede.

Certamente se tivesse dado tudo errado, se as minhas orientações falhassem, o endereço não ser o que eu descobri, enfim, se tivesse dado algum problema, claro que eu seria a responsável. Ao contar a história ela diria: contei o meu problema e ela (eu) disse que ia me ajudar, aí fez isso e aquilo e o problema só aumentou.
Isso é típico desse tipo de pessoa. A segunda pessoa do singular e a primeira do plural servem quando o verbo está relacionado ao erro cometido. As coisas que dão certo estão sempre na primeira pessoa.

Cara, por mais que eu me esforce, não consigo entender isso. Esse tipo de pessoa é mesmo psicopata, sem sentimentos (menos ainda culpa ou gratidão)e passa por cima de qualquer um sem ao menos notar. É caso para psiquiatra. Ela olhava para mim e para a outra pessoa e continuava a contar tudo o que tinha feito. Surreal total!!

Talvez o meu narcisimo ou egocentrismo precisem ser melhor trabalhados, mas acho que é uma questão de ser honesta e justa ou, em outras palavras, dizer a verdade. Talvez seja aí que resida o problema.

Não falei nada, embora tenha feito um enorme esforço para isso. Mas essa pessoa perdeu todas as chances comigo. Never more. Jamais. Mai più.
O bom é que eu sei que ela vai me pedir ajuda de novo, porque a coisa não foi totalmente resolvida e eu ainda poderia ajudar. Poderia, mas não vou. E não sinto a menor culpa. Não sou santa e a minha bobeira é limitada.
O que ameniza o meu choque (além da alegria de dizer um sonoro não nos próximos dias...ou simplesmente dar a ela a importância que tem, ou seja, nenhuma e sequer responder) é pensar em quão pequena essa pessoa é, na sua baixíssima auto-estima, no quanto mente para si própria, já que ela sabe perfeitamente que fui eu quem viabilizou a solução do problema e que tive a maior boa vontade, porque não somos sequer muito próximas, apesar dos anos.
Como dizia Ibrahim, os cães ladram e a caravana passa ou, sendo mais poética, repito Mario Quintana: "eles passarão, eu passarinho".


Detalhe: no final da conversa ela teve a cara de pau de me dizer (em particular, claro) que ia me ligar para falar da continuação do caso e do que nós podíamos fazer. É normal???? Socorro!!!!!!!!!!!!!!!
Nada mais adequado a este post do que o grande Fernando Pessoa em seu

Poema em linha reta
(Álvaro de Campos)
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Foto:"Pequeno Dicionário Ilustrado de Expressões Idiomáticas" de Marcelo Zocchio e Everton Ballardin

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